domingo, 18 de abril de 2010

Roteiro de vida e morte de Pablo Salinas

Pablo Salinas andava perdido e morreu perdido, filho dos naufrágios eternos. Ele roubou a cor mais furiosa do Sol. Todos os homens e mulheres existentes sopravam suavemente em sua orelha para fazê-lo dormir, e fugiam de retorno às mágoas do passado, inocentes. Lírios e rosas repousavam em sua lápide, estranhamente o coração ainda ardia. O companheiro de ninguém foi embora. O mais sozinho dos homens. Uma hora todos se vão, mas com Pablito foi diferente. Ele não só se foi, ele partiu. Deixou inexistentes os rastros de lembrança.

Quando vivo, o pulso de Sal era precoce em seu estômago e ele sempre dormia mal. Há nada defina a figura de Pablo, não há decência nem moral. Muitos o teriam por odiado, tanto quanto o amor odeia a poesia. Pablo marujo e amigo da penumbra, unicamente inteiro e tenso. Provavelmente ele cuspiria na cara de todos, começando pela sua própria se tivesse topado de frente consigo durante a vida. Não há paredes brancas que possam cavalgar em sua paz de morto. Pudera alguém um dia recusar sua vil serenidade: nosso cowboy chora por todos. Chora porque dentro de si há sequer uma lagrima para sua própria tristeza. Conquanto sinta a dor de todos, faz doer à sua rosa por não poder sentir mais dor. Ele anestesia suas emoções num pote de cinzas, ele bebe para poder amar seu reflexo.

O tecido da sua tristeza foi corroído por dentes sublimes e anarquicamente amarelados onde as orquestras mais cristalinas e arenosas ensaiavam aos domingos. Os expectadores imploravam aos céus por ser aquela musica o grande sentido da existência. A música dos dentes de Pablo revelava o olhar da mulher nua no frágil leito de uma gema de bálsamo e sofria atento aos prazeres da glória ao final da sua busca por amor. Assim, tornou-se cego. Quanta agonia envolvia o desfecho de sua vida.

Era o senhor Salinas, o barba velha. Sua morte fora consequência de veneno, bala ou talvez um odor, eu desconfio de qualquer vã teoria. Pablo morreu de filosofia. Poucos sabem a distancia total do exílio, mas sei que ele viveu para tentar alcançá-la, como se soassem cânticos e sinos de uma aurora enluarada no presente.

Ele foi muito belo. Nele o amor queria sofrer, queria simplesmente tramar sem ser oportunado. Queria passar despercebido e não ser molestado pelo destino. Queria fluir no córrego de tua mulher e nas tintas que abrigavam suas telas. O imenso e profano desalento causou-lhe desengano, e ele sorriu novamente. Um crime foi o que lhe fez cair do céu. Ele matara pessoas, torturara átomos e pedras. E os portos da China, e os andaimes do sossego tomaram seus olhos.

Nos espirros suaves de seu filho ele notava Deus. No fundo, fugia. Por tempos, ele fez de tudo para afastar-se de Deus e sugara o mel do inferno por vários dias. Quanta ilusão e incongruência que há nesse mundo, companheiro Pablo Salinas.

Mas não sinto a tua falta. Posso dizer que o invejo por ser tão livre e tão preso. Eu, amigo íntimo, sou apenas preso e anseio por liberdade, igual a planta que germina. Teu espírito me fornece caos e adubo para proliferar meus dedos.
Como uma raiz de neve, Pablo navegou comigo nos mares cansados, subiu como uma luz para o infinito, para o nada como amigo valioso. Fechou-se o pano de uma triste fenda no tempo selvagem da vida. Algo clama por teu nome, mas quero contemplar a lua esta noite, mestre. Essa lua meiga como a exibição de cometas d’água em dias de tempestade, que pede por mais de minha saudação cortes. Quer meu sangue, minha saliva.

Diria a ele: descansa amigo velho, que a eternidade está por vir. Vamos a ela na velocidade dos camelos, e que possamos nos encher de vácuo. Deixa teu pranto cair na face da amada, mas não se esqueça de amar a fada. Pablo Salinas, feito de carne e fumaça. Quem poderia imaginar que ele realmente existiu...?

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