Não importa. A cada manhã que desperto meus sentidos devem estar sempre prontos para mais um dia de exposição e renovação. Foi-se a época em que eu deixava de viver por medo de morrer. Você já sentiu isso? Quantas noites revirando a cabeça no travesseiro, apertando os olhos contra o seu próprio interior, sentindo o grande medo, o supremo medo. Afinal, o que é não existir? Como saberei! E se não der tempo? Desespero.
Então eu me levanto, cansado de estremecer, cansado de procurar respostas, cansado do medo da incompreensão das coisas. Até perceber que tudo é uma grande incompreensão. O que pode-se saber sobre a impermanência? Bem, não podemos ficar sofrendo na cama sozinhos a noite inteira. A gente se cansa uma hora. O que eu faço? Levanto-me e coloco no meu velho som aquela fita velha de Villa-Lobos.
Você conhece Villa-Lobos? Dizem que seu amor pela vida era tão enorme que ele sabia conduzir os rumos dos ventos num campo aberto, onde as árvores permaneciam estáticas. Pinheiros, eucaliptos, araucárias, imóveis. Villa-Lobos então dizia às crianças: “Observem como o vento gosta de ser chamado”. Então ele, não mais de repente, começava a assobiar. Aquele assobio fazia um efeito no mundo onde todas as coisas começavam a mover-se! Instantaneamente, como vindo de um profundo sentimento de avesso causado por seu próprio medo, ventos! Uma ventania sem precedentes se apossava dos ramos das árvores, e elas começavam a dançar e balançar de um lado para o outro!
As crianças arregalavam os olhos e gritavam de contentamento! Finalmente poderiam empinar suas pipas! Todas elas saiam correndo como animais satisfeitos após uma refeição, enquanto Villa apenas observava todo aquele mundo, como era lindo, como a vida era linda, com um discreto sorriso no rosto, sombreado por seu tradicional chapéu panamá.
Nas noites de confusão e medo da morte, ouvir sua música era a grande saída para o meu pavor total. Acendia em mim a esperança que, talvez, viver não seja tão ruim assim. Ao meu lado eu via dois homens cumprimentando-se e, no mesmo instante, chamas alaranjadas emergiam possuindo seus corpos. Então, no auge da passagem mais bela dos violinos, onde as trompas e os fagotes escorriam o mel de uma melodia tão carregada de tristeza e doçura, eu via, ao longe eu via, aquele rostinho lindo, olhando para mim de baixo. Eu podia, enfim, ver suas mãozinhas frágeis segurando a barra de minha calça. Era o rostinho de meu filho, que eu ainda nem conhecia.
Logo eu percebia que nada adiantava ficar me debatendo às 4 horas da madrugada em minha cama, com medo da morte por não saber viver, não! Daquele momento em diante eu deveria aprender a viver. E para viver, e também para o meu filho viver, eu sabia que deveria procurar a vida.
Eu soube qual seria então a minha busca, a única busca que é válida nesse mundo. A eterna busca da beleza das coisas, de Deus, do amor enfim. Nestas noites completamente solitárias, enclausuradas no meu eterno pavor de sobreviver sem ter amado verdadeiramente, eu descansava meus músculos num sadio relaxamento interior.
Paciência. Este amor há de existir. Paciência. Seu filho reside nas páginas velhas de um livro de poesia, ou nas mãos cuidadosas que um dia hão de afagar minha nuca que transpira meu mais puro desejo.
A minha melancolia era tão sóbria que eu fui até a janela, onde residem do lado de fora os postes de luz incandescentes, o meu limoeiro tão cheiroso pelas manhãs, e as flores da roseira, todos estáticos, e no mais complexo e infinito silêncio da madrugada eu assobiava uma linha melódica semelhante ao de Villa, porém minha, minha melodia saída de dentro de mim.
Ele estava certo. O vento veio e estremeceu aquele mundo adormecido e escuro, onde só eu permanecia acordado. A vida poderia mesmo, daquela forma solitária e vasta, ser bela.
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