terça-feira, 23 de março de 2010

Nas tardes que levam meus sonhos e passam pela janela cheias de chuva, de portos, de planos, de música em forma de arquitetura, numa flauta transversal, ouço o Tom e quanta paixão me comove! Quero tocar música, penso, perto das orelhas tuas! O que trago é a mesma paixão pelos quadros com teu rosto, como vêm meus ouvidos comovidos quando estão longe de ti. Tocam águas de março pela imensidão desta sala de repartição e eu permaneço repartido. Meio ausência, meio presença, em meio à solidão.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Se todas fossem iguais a você, não haveria tanta claridade nesse profundo lago que me afoga. Creio que não poderia existir toda a efervescência que separa minha alma de meu corpo e eu seria apenas uma grande mistura sem solução. Se não fosses tão frágil e sossegada, minha alma não teria lhe feito uma visita. Mas, essa tamanha ação que é o que eu sinto pela rosa não é qualquer besteira cotidiana. Diz-me em pensamentos como é feita a vida na terra, a amplidão dos olhos e o amargo da dor. Compele meu corpo numa dança, a girar pendulado no vazio das ilusões perdidas, como uma criança.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Passado muitos anos, o almirante retorna para casa cheirando à maresia. Surpreso de uma forma macia, ele abre a porta de casa e se depara com a sala que costumava ler seus livros e aquecer sua memória perto da lareira. Ele caminha a lentos passos até a poltrona de balanço, a mesma que sonhara durante as noites perturbadas do fronte de batalha enquanto adormecia num quarto frio e secreto no navio. Nas lembranças, o almirante recorda-se de cães diabólicos uivando ao seu redor, enquanto centenas de buracos de metralhadoras apontavam para a casca das maçãs de seu rosto. O ar, nesse sonho, era acre e ardente como em um deserto de sal. Ele queria gritar de medo, mas de suas gargantas todo o oceano atlântico era regurgitado. Seus pulmões eram esmagados por tanta água, aos poucos ele esqueceu como respirar. Aquela água inundava o campo de batalha e saia incansavelmente de sua boca como um hidrante desgovernado. Os marinheiros inimigos com seus canhões de damasco e bombas de manjericão pouco podiam contra o turbilhão de água salgada que o almirante expelia sobre todo aquele ambiente de destruição e morte que os cercavam. Todos foram aniquilados. A água inundou toda a paisagem, e o almirante permaneceu inexplicavelmente vivo, enquanto flutuava à vários metros de profundidade, ainda liberando água pela boca. Após alguns minutos, o nível da água dos mares e oceanos do planeta começou a se elevar com extrema velocidade, nem o mais alto pico rochoso deixou de ser tragado pelas ondas.
Cordas de Paco de Lucia entre duas águas. Acordo com essa sinfonia ressoando em minha cabeça oca, já tão pouca que nem sei das coisas. Imagino uma paisagem com montanhas que descrevem as curvas dos seios de cada acorde executado. Neste sono que me arranha os olhos, minha lucidez não encontra salvação. Ela sonha e não sabe parar de sonhar. Fios de cabelo, gotas de lágrima e fantasias ao redor de teu sexo macio. Sem ser outro, vivo deste encanto. Quanto corpo. Quantas horas já se passaram? Deixei de saber há muito tempo. As horas deste quarto são rebeladas, revolucionárias, independentes. Cada hora que passa executa os segundos da maneira que mais lhe agrada, e eu não me preocupo nem um pouco com isso. Às vezes, uma sucessão de dois segundos, na contagem pela luz do sol, chega a durar vastas semanas. Já presenciei três horas seguidas perdurando entre o curto intervalo do desabrochar de um hibisco vermelho. O tempo neste quarto, de fato, corre livre. Os poucos minutos de uma canção flamenca dedilhada me fixam nas paredes épicas das origens do mundo. Eras inteiras, períodos geológicos que já ultrapassaram os pensamentos humanos e ciclos lunares deslocam-se em um véu de areia na contagem do tempo da canção de Paco, que ressoa oca em minha cabeça sinfônica que pouco sabe sobre as coisas. Ela, a cabeça, é a coisa. Ela nasce distante da luz da noite, como um fruto, e dorme na penumbra do templo de teus peitos.

sábado, 13 de março de 2010

Colméias de luz e absinto sagrado, antídoto para a alma. Este jovem poeta entra por minhas janelas trazendo sacas de acerolas sabor de sangue. Sangue frio, esquecido. Uma jóia prescrita na minha carne.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Ares. Estou pelos ares. Navegando pelas órbitas de Antares... cavalgando sobre o coração do escorpião. Nunca na vida pude presenciar tais ramos de luz frios e pálidos tão longe de mim, como a água. Na atmosfera daquela toca, restou-me apenas o calor vermelho de uma solidão já oca. Nunca, em toda a história de minhas retinas, pude contemplar tal brilho. Imensa mulher-peixe... Cantora de minhas barrigas. Lua, lua, lua refletida em minhas paredes, os espelho são teus olhos. Símbolos frágeis de ausência e existência. Existência secreta. Guardiã do céu.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Um barquinho
Ao relento
No oceano...
Tão sozinho,
Tão atento...
Quanto engano...
Quanto tempo...
Paciência,
A virtude da espera.
Ausência,
A virtude da demora.
Experiência,
A virtude da sabedoria.
Amor,
A virtude da vida.

terça-feira, 9 de março de 2010

Quando a vida toca o papel, a ponta da caneta espia o olhar do poeta, sem ser discreta. E desse encontro surge um corte, um rasgo no tecido de seda. A palavra espia o fogo gelado de um cometa. Afia seu arpão e sai em disparada ao vazio da amplidão, como a cusparada de um homem sombrio. Secretamente pálida. Me devora com roupa e tudo, como um fera, uma agulha perfurando uma esfera que flutua tensa, à espera mansa de sua caça, como uma pantera.

segunda-feira, 1 de março de 2010

As folhas vertiam gás e calor, dos sóis em gelo convertido. Sob as raízes e terras, húmidas como o frio da noite, eu e a penumbra fazíamos sentido. Pousei. Misteriosamente dilacerei meu repouso enquanto insetos de rara beleza queimavam suas antenas nos raios da morte, como uma inscrição de amêndoa cravada no peito deste papiro.

Ali, alertas, alazões aládos alisavam suas pestanas e sepultavam seu sobrado. Sequer sonhavam. Será que soavam? Seriam seixos de som? Sussuram? Sim. Sempre. Sublimes ruminantes. Ramificam sinos e artérias. Sacramentam seu sangue. Sem sugar, se alimentam dele. Somente ali. No buraco do siri. Na imensa esfera no céu. Humanos percebem e superam, esperam o almoço no fundo do calabouço.
Qual será definição para aquilo que rege a união de poesia, espírito e pensamento... Se escrevo em altos fluxos de pensamento corrente, posso buscar a origem, ou mais, a pureza do encontro entre o mundo dos sonhos e dos não-sonhos... O inconsciente penetrou no consciente para querer mostrar-me algo. Só não devo temer aquilo que me pertence... de resto, temo tudo e todos.
I

Hoje sou humano, sem ver o sol ser sol, sou humano. O astro que engole luz completa hoje um ano, e o universo canta como um caracól. As partes de meu corpo são como sombras num anzol, e o que vejo sempre reduz a poeira da atmosfera da vida. A vida desfila em sexos, rompe-me. Galáxia? Que merda é essa? Nós estamos com os dedos à postos, simplesmente sós.


II

Gelo de mim, num quadrado maior. Pedrinhas de sonhos que sugam suor. Chega perto. Rosto incerto. Sou uma lâmina de farol, sou um feixe de luz do sol, que rumina teu cabelo e espera por um elo, eloquente amarelo desta runa girassol. Sou um hábito escondido na urgência do bandido por sua fome ver menor.


III

Nú, crú, tú no escuro. Ave, chave, dor aturo. Mares, pares, dia puro. Naves, aves, eu no muro. Sinto. Sim. Sinto. Minto. Morro. Brinco. Onde está a quimera? Lencóis e odor de fera. Remou, cegou sua cor, sorriu de costas a ela, breve sou ator.
A vida é um crime. Uma pétala que se evidencia doutras muitas, todas gemem. A vida é um mito, poesia. A vida é um sopro fundindo o escopo de nossos amores. Afoita, é cheia de dores. Armada de relâmpagos prata. Fora, velha desalmada! Venha jovem. Enamorada. Não fuja. Fuja alma amada! Se aproximo da vida a minha pança, me canso. Se me inocento, me apavoro. Se me sugo o canto, sou denso, se sorrio a morte, lá eu moro. E você também, peso fátuo, descansará, mal ingrato, fujas conosco, amor, flor do parto, e ressucitarás, afinal, num prato.
O medo é moda. Segredo é medo. É moda. Cedo vem o medo. Medo morre. O medo. Toda a roda onde mora o medo é na rua. Nua. Nada. Rua. Roda. Cedo.
CRIME!!!Psica. Psica. Psica. Análise. Análise. Análise. Análise. ANÁLISE. E. É . E . É. Pra quê? ??????? O sexo. Preceito. Vitória. Cama. Teatro. Cobiça. Terror. Coragem. O seco. Sexo. Sexo. Sexo. Sexo. Sexo. Sexo. Sexo. Sexo. Sexo. Escrito. Escrita. Sexo. Ira. Sexo. Trava. Ideia. Sexo. Morte. Energia. Sumo. Leite. Calor. Sexo. Palavras. Reino. Polska. Câmbio. Negro. Nego. Branco. Branco. Branco. Tempo. Tempo. Tempo. Tempo. Café. Sexo. Amor. Fácil. Próprio. Poder. Sexo. Poder. Doença. Poder. Sexo. Luz. Luz. Olivas. Medo. Medo. Medo. Medo. Medo. Medo. Moda.
Não consigo escrever a vida. A história sangra meu sangue e os becos silenciam a morte em meus dedos, num voo rasante. Não consigo entender o nosso mal, parece até que sigo o caminho do final. Sobre mim, nada fiz que tentar ser aprendiz. Adormeço no sonho que teço, ato para ida, palavra esquecida. Sofrendo à rubra sombra, como as penas de uma pomba.