Com as imagens de Cezánne encerro este blog, neste dia 5 de maio de 2010. Data bonita.
Mas espere, outro vem aí... sempre.
João Foti
quarta-feira, 5 de maio de 2010
quinta-feira, 22 de abril de 2010
quarta-feira, 21 de abril de 2010
Ela profana a noite com sua pele de leite desenhada por incontáveis marcas de cobertor, e dorme em meu leito adentrando os meus sonhos, com a cabeça à poucos centímetros da minha. Como ardem estas curvas de cristal! Como eu choro de amor ao seu lado! Seu tato sublinha a música do amanhecer e compara o nosso canto aos anéis de vapor de algum planeta em erupção. Esta minha carne, a ela eu ofereço calmamente e preenchido de mistério. Penso, mais de uma vez, em redescobrir as profecias da vida em seu ventre materno, pois não há tempo que em mim diminua a pressa de atar os nós dos joelhos meus aos joelhos dela. Tento encontrar o calor de verão em seus olhos de deusa, e retirar do frio este meu corpo que já atravessou invernos. Quero acordá-la com histórias fantásticas de naufrágios em rios de prata e quatro braços que se apertaram loucamente sob a lua deste mundo, em sussurros ébrios e famintos. Como alimento para este espírito sereno, dou meu próprio sangue, pois não há como ouvir seu sopro de sono sem me emocionar profundamente, como um cavalo selvagem num imenso campo de feno.
domingo, 18 de abril de 2010
Roteiro de vida e morte de Pablo Salinas
Pablo Salinas andava perdido e morreu perdido, filho dos naufrágios eternos. Ele roubou a cor mais furiosa do Sol. Todos os homens e mulheres existentes sopravam suavemente em sua orelha para fazê-lo dormir, e fugiam de retorno às mágoas do passado, inocentes. Lírios e rosas repousavam em sua lápide, estranhamente o coração ainda ardia. O companheiro de ninguém foi embora. O mais sozinho dos homens. Uma hora todos se vão, mas com Pablito foi diferente. Ele não só se foi, ele partiu. Deixou inexistentes os rastros de lembrança.
Quando vivo, o pulso de Sal era precoce em seu estômago e ele sempre dormia mal. Há nada defina a figura de Pablo, não há decência nem moral. Muitos o teriam por odiado, tanto quanto o amor odeia a poesia. Pablo marujo e amigo da penumbra, unicamente inteiro e tenso. Provavelmente ele cuspiria na cara de todos, começando pela sua própria se tivesse topado de frente consigo durante a vida. Não há paredes brancas que possam cavalgar em sua paz de morto. Pudera alguém um dia recusar sua vil serenidade: nosso cowboy chora por todos. Chora porque dentro de si há sequer uma lagrima para sua própria tristeza. Conquanto sinta a dor de todos, faz doer à sua rosa por não poder sentir mais dor. Ele anestesia suas emoções num pote de cinzas, ele bebe para poder amar seu reflexo.
O tecido da sua tristeza foi corroído por dentes sublimes e anarquicamente amarelados onde as orquestras mais cristalinas e arenosas ensaiavam aos domingos. Os expectadores imploravam aos céus por ser aquela musica o grande sentido da existência. A música dos dentes de Pablo revelava o olhar da mulher nua no frágil leito de uma gema de bálsamo e sofria atento aos prazeres da glória ao final da sua busca por amor. Assim, tornou-se cego. Quanta agonia envolvia o desfecho de sua vida.
Era o senhor Salinas, o barba velha. Sua morte fora consequência de veneno, bala ou talvez um odor, eu desconfio de qualquer vã teoria. Pablo morreu de filosofia. Poucos sabem a distancia total do exílio, mas sei que ele viveu para tentar alcançá-la, como se soassem cânticos e sinos de uma aurora enluarada no presente.
Ele foi muito belo. Nele o amor queria sofrer, queria simplesmente tramar sem ser oportunado. Queria passar despercebido e não ser molestado pelo destino. Queria fluir no córrego de tua mulher e nas tintas que abrigavam suas telas. O imenso e profano desalento causou-lhe desengano, e ele sorriu novamente. Um crime foi o que lhe fez cair do céu. Ele matara pessoas, torturara átomos e pedras. E os portos da China, e os andaimes do sossego tomaram seus olhos.
Nos espirros suaves de seu filho ele notava Deus. No fundo, fugia. Por tempos, ele fez de tudo para afastar-se de Deus e sugara o mel do inferno por vários dias. Quanta ilusão e incongruência que há nesse mundo, companheiro Pablo Salinas.
Mas não sinto a tua falta. Posso dizer que o invejo por ser tão livre e tão preso. Eu, amigo íntimo, sou apenas preso e anseio por liberdade, igual a planta que germina. Teu espírito me fornece caos e adubo para proliferar meus dedos.
Como uma raiz de neve, Pablo navegou comigo nos mares cansados, subiu como uma luz para o infinito, para o nada como amigo valioso. Fechou-se o pano de uma triste fenda no tempo selvagem da vida. Algo clama por teu nome, mas quero contemplar a lua esta noite, mestre. Essa lua meiga como a exibição de cometas d’água em dias de tempestade, que pede por mais de minha saudação cortes. Quer meu sangue, minha saliva.
Diria a ele: descansa amigo velho, que a eternidade está por vir. Vamos a ela na velocidade dos camelos, e que possamos nos encher de vácuo. Deixa teu pranto cair na face da amada, mas não se esqueça de amar a fada. Pablo Salinas, feito de carne e fumaça. Quem poderia imaginar que ele realmente existiu...?
Pablo Salinas andava perdido e morreu perdido, filho dos naufrágios eternos. Ele roubou a cor mais furiosa do Sol. Todos os homens e mulheres existentes sopravam suavemente em sua orelha para fazê-lo dormir, e fugiam de retorno às mágoas do passado, inocentes. Lírios e rosas repousavam em sua lápide, estranhamente o coração ainda ardia. O companheiro de ninguém foi embora. O mais sozinho dos homens. Uma hora todos se vão, mas com Pablito foi diferente. Ele não só se foi, ele partiu. Deixou inexistentes os rastros de lembrança.
Quando vivo, o pulso de Sal era precoce em seu estômago e ele sempre dormia mal. Há nada defina a figura de Pablo, não há decência nem moral. Muitos o teriam por odiado, tanto quanto o amor odeia a poesia. Pablo marujo e amigo da penumbra, unicamente inteiro e tenso. Provavelmente ele cuspiria na cara de todos, começando pela sua própria se tivesse topado de frente consigo durante a vida. Não há paredes brancas que possam cavalgar em sua paz de morto. Pudera alguém um dia recusar sua vil serenidade: nosso cowboy chora por todos. Chora porque dentro de si há sequer uma lagrima para sua própria tristeza. Conquanto sinta a dor de todos, faz doer à sua rosa por não poder sentir mais dor. Ele anestesia suas emoções num pote de cinzas, ele bebe para poder amar seu reflexo.
O tecido da sua tristeza foi corroído por dentes sublimes e anarquicamente amarelados onde as orquestras mais cristalinas e arenosas ensaiavam aos domingos. Os expectadores imploravam aos céus por ser aquela musica o grande sentido da existência. A música dos dentes de Pablo revelava o olhar da mulher nua no frágil leito de uma gema de bálsamo e sofria atento aos prazeres da glória ao final da sua busca por amor. Assim, tornou-se cego. Quanta agonia envolvia o desfecho de sua vida.
Era o senhor Salinas, o barba velha. Sua morte fora consequência de veneno, bala ou talvez um odor, eu desconfio de qualquer vã teoria. Pablo morreu de filosofia. Poucos sabem a distancia total do exílio, mas sei que ele viveu para tentar alcançá-la, como se soassem cânticos e sinos de uma aurora enluarada no presente.
Ele foi muito belo. Nele o amor queria sofrer, queria simplesmente tramar sem ser oportunado. Queria passar despercebido e não ser molestado pelo destino. Queria fluir no córrego de tua mulher e nas tintas que abrigavam suas telas. O imenso e profano desalento causou-lhe desengano, e ele sorriu novamente. Um crime foi o que lhe fez cair do céu. Ele matara pessoas, torturara átomos e pedras. E os portos da China, e os andaimes do sossego tomaram seus olhos.
Nos espirros suaves de seu filho ele notava Deus. No fundo, fugia. Por tempos, ele fez de tudo para afastar-se de Deus e sugara o mel do inferno por vários dias. Quanta ilusão e incongruência que há nesse mundo, companheiro Pablo Salinas.
Mas não sinto a tua falta. Posso dizer que o invejo por ser tão livre e tão preso. Eu, amigo íntimo, sou apenas preso e anseio por liberdade, igual a planta que germina. Teu espírito me fornece caos e adubo para proliferar meus dedos.
Como uma raiz de neve, Pablo navegou comigo nos mares cansados, subiu como uma luz para o infinito, para o nada como amigo valioso. Fechou-se o pano de uma triste fenda no tempo selvagem da vida. Algo clama por teu nome, mas quero contemplar a lua esta noite, mestre. Essa lua meiga como a exibição de cometas d’água em dias de tempestade, que pede por mais de minha saudação cortes. Quer meu sangue, minha saliva.
Diria a ele: descansa amigo velho, que a eternidade está por vir. Vamos a ela na velocidade dos camelos, e que possamos nos encher de vácuo. Deixa teu pranto cair na face da amada, mas não se esqueça de amar a fada. Pablo Salinas, feito de carne e fumaça. Quem poderia imaginar que ele realmente existiu...?
Uma minhoca desliza na folha da bananeira e da de cara com o besouro pesadão. Ele esta contemplando as pequenas luzes a girar mais acima, vagalumes e fadas, seres tão belos e ricos que inspiravam no besourão o desejo de estar perto, voar mais alto e ágil para se esquivar dos espinhos, irradiando vigor. Porem, ele se lamenta com a minhoca por não poder ser assim. Suas asas eram grossas, seu corpo de barril era mais pesado que laranjas, o seu aspecto era agressivo e tinha mau hálito. Quem o fizera assim? Quem permitiu que ele nascesse besouro? A minhoca nada respondeu, apenas resmungou e continuou seu andar arrastado. O besouro não conseguia voar tão alto como as luzes, e permaneceu com os olhos marejados vendo ao longe aquele brilho de diamante, quem sabe Ela descia e ele ate ganhasse um beijo? Após alguns minutos, ele sentiu fome e sono, e com passos desengonçados pulou da folha e saiu voando baixo na escuridão da mata.
sexta-feira, 16 de abril de 2010
"Rosa Plena de meu Amor"
Ou
"Canção à minha idade"
I.
Rosa plena venha calma
Neste mundo que te rodeia,
Só aceite as esfinges da alma.
Rosa, rosa plena, canto de amor.
Neste corpo que me condena
Nasceu teu rosto, como flor de aço.
Rosa negra do hemisfério sombrio
Derramas meu sangue na mesa de jantar
E me alucina de culpa por meus desperdícios.
Venha ouvir essa triste sílaba, Rosa.
Venha com as asas do oceano vil, o Tempo,
Que acata meu corpo-rio como um catavento.
II.
É noite, meu amor. A carne é dura e o osso já está roído por demais. Áureos como caules de trigo, os restos de beija-flor caídos na jardineira transformam a poeira de meus ouvidos em palavras, causando-me imensa dor, como uma prece. Santificada seja a vossa rua batizada com teu nome, no dia do teu nascimento. Dizia poemas e delírios à minha moldura quando eu pensava em meu esquecimento e me confundia com o cosmos. Estas imagens são danosas e pouco atrativas, mas arranham as minhas artérias como veneno de ferida. Acontece que renasço ontem e morro agora. No cume calvo de minha cabeça há sempre uma maneira de descobrir as lendas do umbigo.
III.
Vermelho Obsceno
"Ergo este lamento, nesta flama,
E receoso apresento-lhe a quem me ama." - Jean Baptiste Rose (In. Soneto de Apresentação. 1755, Sertão de Aracaju.)
- E eles suspiraram:
"Presa na lua, dorme a azeitona nua na cama de Violino e sua Vênus que concebe a dor do parto nas palmeiras do tempo, a molhar o espaço quente deste precioso Vermelho Obsceno.
IV.
Te amo, e como choro por isso...
É desmedida esta terra de flor.
Suga a impureza do chão, torna-se gás,
Toca com a ponta dos dedos
A atmosfera de outros planetas.
Oh! Como é seiva, como arde, como dorme,
Como espera a paz, esta tristeza.
Que não seja sátira ao meu riso,
Mas me quedo retornando à penúria.
Acontece que a vida em mim vibra,
Nas salas secretas de meus rins,
Uma louca alegria impura, olhos
Que me derretem a geleira noturna.
V.
Cancion por La Triste Muerte de Pablo Salinas
O ar perdeu o vento. El aire es lagrima.
O carvalho escureceu seu casco, sozinho.
Por mais que seja clara e meiga
A lembrança de morrer é profunda,
Perco-me nela. O momento silencia.
Tudo, companheiro Pablo Salinas.
A folha verde nao cai mais, não outona.
Numa esfera de cera endurece o pranto
Rígido como uma pérola amedrontada.
Hei de ser santo: a paixão é irada.
Me quedo muerto por los dedos, mi canto,
Mi solo hecho de cristales y guerras.
Mova-se comigo anjo das sombras
E sobrevoe as tuas cores, Quimera!
Afaste de mim a armada ilusão.
Retorne para casa com sapatos podres.
Em meu túmulo quero uma flor de pedra
A sangrar néctar de pétalas tetras,
Ébria como o paladar das conchas do mar.
Mira el cielo extinto, mira los animales...
Sossega a tua tenda neste cometa
Pois nesta teta há lugares para mamar.
Irei como àqueles que choram de desamor
Ao ver a própria sombra cruzar o chão.
Irei navegar no amor de Deus. Adios.
Ou
"Canção à minha idade"
I.
Rosa plena venha calma
Neste mundo que te rodeia,
Só aceite as esfinges da alma.
Rosa, rosa plena, canto de amor.
Neste corpo que me condena
Nasceu teu rosto, como flor de aço.
Rosa negra do hemisfério sombrio
Derramas meu sangue na mesa de jantar
E me alucina de culpa por meus desperdícios.
Venha ouvir essa triste sílaba, Rosa.
Venha com as asas do oceano vil, o Tempo,
Que acata meu corpo-rio como um catavento.
II.
É noite, meu amor. A carne é dura e o osso já está roído por demais. Áureos como caules de trigo, os restos de beija-flor caídos na jardineira transformam a poeira de meus ouvidos em palavras, causando-me imensa dor, como uma prece. Santificada seja a vossa rua batizada com teu nome, no dia do teu nascimento. Dizia poemas e delírios à minha moldura quando eu pensava em meu esquecimento e me confundia com o cosmos. Estas imagens são danosas e pouco atrativas, mas arranham as minhas artérias como veneno de ferida. Acontece que renasço ontem e morro agora. No cume calvo de minha cabeça há sempre uma maneira de descobrir as lendas do umbigo.
III.
Vermelho Obsceno
"Ergo este lamento, nesta flama,
E receoso apresento-lhe a quem me ama." - Jean Baptiste Rose (In. Soneto de Apresentação. 1755, Sertão de Aracaju.)
- E eles suspiraram:
"Presa na lua, dorme a azeitona nua na cama de Violino e sua Vênus que concebe a dor do parto nas palmeiras do tempo, a molhar o espaço quente deste precioso Vermelho Obsceno.
IV.
Te amo, e como choro por isso...
É desmedida esta terra de flor.
Suga a impureza do chão, torna-se gás,
Toca com a ponta dos dedos
A atmosfera de outros planetas.
Oh! Como é seiva, como arde, como dorme,
Como espera a paz, esta tristeza.
Que não seja sátira ao meu riso,
Mas me quedo retornando à penúria.
Acontece que a vida em mim vibra,
Nas salas secretas de meus rins,
Uma louca alegria impura, olhos
Que me derretem a geleira noturna.
V.
Cancion por La Triste Muerte de Pablo Salinas
O ar perdeu o vento. El aire es lagrima.
O carvalho escureceu seu casco, sozinho.
Por mais que seja clara e meiga
A lembrança de morrer é profunda,
Perco-me nela. O momento silencia.
Tudo, companheiro Pablo Salinas.
A folha verde nao cai mais, não outona.
Numa esfera de cera endurece o pranto
Rígido como uma pérola amedrontada.
Hei de ser santo: a paixão é irada.
Me quedo muerto por los dedos, mi canto,
Mi solo hecho de cristales y guerras.
Mova-se comigo anjo das sombras
E sobrevoe as tuas cores, Quimera!
Afaste de mim a armada ilusão.
Retorne para casa com sapatos podres.
Em meu túmulo quero uma flor de pedra
A sangrar néctar de pétalas tetras,
Ébria como o paladar das conchas do mar.
Mira el cielo extinto, mira los animales...
Sossega a tua tenda neste cometa
Pois nesta teta há lugares para mamar.
Irei como àqueles que choram de desamor
Ao ver a própria sombra cruzar o chão.
Irei navegar no amor de Deus. Adios.
quinta-feira, 8 de abril de 2010
"Uaaaaaaaaah! Bafo do canto da espera que terá uma fragrância oceânica e limpíssima, basta alcançar a chave do céu, cigana de nervo calvo e de pele dura, tripas de moça próxima e calmamente amiga do ócio da escada que viu a uva, viu? a uva verde anil pararaiar durante a chuva preta, chuva de perenes implantes de lupas nas pontas dos dedos daquela cantora dionisíaca dona de verdadeiros tubos de ar, king women, queen fora outrora além do harém do arlequim que arde em cobre e contornos de nanquim, pouco pobre, pouco nobre, veja a obra do obreiro de Abril compositor de rapadura".
terça-feira, 23 de março de 2010
Nas tardes que levam meus sonhos e passam pela janela cheias de chuva, de portos, de planos, de música em forma de arquitetura, numa flauta transversal, ouço o Tom e quanta paixão me comove! Quero tocar música, penso, perto das orelhas tuas! O que trago é a mesma paixão pelos quadros com teu rosto, como vêm meus ouvidos comovidos quando estão longe de ti. Tocam águas de março pela imensidão desta sala de repartição e eu permaneço repartido. Meio ausência, meio presença, em meio à solidão.
quinta-feira, 18 de março de 2010
Se todas fossem iguais a você, não haveria tanta claridade nesse profundo lago que me afoga. Creio que não poderia existir toda a efervescência que separa minha alma de meu corpo e eu seria apenas uma grande mistura sem solução. Se não fosses tão frágil e sossegada, minha alma não teria lhe feito uma visita. Mas, essa tamanha ação que é o que eu sinto pela rosa não é qualquer besteira cotidiana. Diz-me em pensamentos como é feita a vida na terra, a amplidão dos olhos e o amargo da dor. Compele meu corpo numa dança, a girar pendulado no vazio das ilusões perdidas, como uma criança.
quarta-feira, 17 de março de 2010
Passado muitos anos, o almirante retorna para casa cheirando à maresia. Surpreso de uma forma macia, ele abre a porta de casa e se depara com a sala que costumava ler seus livros e aquecer sua memória perto da lareira. Ele caminha a lentos passos até a poltrona de balanço, a mesma que sonhara durante as noites perturbadas do fronte de batalha enquanto adormecia num quarto frio e secreto no navio. Nas lembranças, o almirante recorda-se de cães diabólicos uivando ao seu redor, enquanto centenas de buracos de metralhadoras apontavam para a casca das maçãs de seu rosto. O ar, nesse sonho, era acre e ardente como em um deserto de sal. Ele queria gritar de medo, mas de suas gargantas todo o oceano atlântico era regurgitado. Seus pulmões eram esmagados por tanta água, aos poucos ele esqueceu como respirar. Aquela água inundava o campo de batalha e saia incansavelmente de sua boca como um hidrante desgovernado. Os marinheiros inimigos com seus canhões de damasco e bombas de manjericão pouco podiam contra o turbilhão de água salgada que o almirante expelia sobre todo aquele ambiente de destruição e morte que os cercavam. Todos foram aniquilados. A água inundou toda a paisagem, e o almirante permaneceu inexplicavelmente vivo, enquanto flutuava à vários metros de profundidade, ainda liberando água pela boca. Após alguns minutos, o nível da água dos mares e oceanos do planeta começou a se elevar com extrema velocidade, nem o mais alto pico rochoso deixou de ser tragado pelas ondas.
Cordas de Paco de Lucia entre duas águas. Acordo com essa sinfonia ressoando em minha cabeça oca, já tão pouca que nem sei das coisas. Imagino uma paisagem com montanhas que descrevem as curvas dos seios de cada acorde executado. Neste sono que me arranha os olhos, minha lucidez não encontra salvação. Ela sonha e não sabe parar de sonhar. Fios de cabelo, gotas de lágrima e fantasias ao redor de teu sexo macio. Sem ser outro, vivo deste encanto. Quanto corpo. Quantas horas já se passaram? Deixei de saber há muito tempo. As horas deste quarto são rebeladas, revolucionárias, independentes. Cada hora que passa executa os segundos da maneira que mais lhe agrada, e eu não me preocupo nem um pouco com isso. Às vezes, uma sucessão de dois segundos, na contagem pela luz do sol, chega a durar vastas semanas. Já presenciei três horas seguidas perdurando entre o curto intervalo do desabrochar de um hibisco vermelho. O tempo neste quarto, de fato, corre livre. Os poucos minutos de uma canção flamenca dedilhada me fixam nas paredes épicas das origens do mundo. Eras inteiras, períodos geológicos que já ultrapassaram os pensamentos humanos e ciclos lunares deslocam-se em um véu de areia na contagem do tempo da canção de Paco, que ressoa oca em minha cabeça sinfônica que pouco sabe sobre as coisas. Ela, a cabeça, é a coisa. Ela nasce distante da luz da noite, como um fruto, e dorme na penumbra do templo de teus peitos.
sábado, 13 de março de 2010
sexta-feira, 12 de março de 2010
Ares. Estou pelos ares. Navegando pelas órbitas de Antares... cavalgando sobre o coração do escorpião. Nunca na vida pude presenciar tais ramos de luz frios e pálidos tão longe de mim, como a água. Na atmosfera daquela toca, restou-me apenas o calor vermelho de uma solidão já oca. Nunca, em toda a história de minhas retinas, pude contemplar tal brilho. Imensa mulher-peixe... Cantora de minhas barrigas. Lua, lua, lua refletida em minhas paredes, os espelho são teus olhos. Símbolos frágeis de ausência e existência. Existência secreta. Guardiã do céu.
quinta-feira, 11 de março de 2010
terça-feira, 9 de março de 2010
Quando a vida toca o papel, a ponta da caneta espia o olhar do poeta, sem ser discreta. E desse encontro surge um corte, um rasgo no tecido de seda. A palavra espia o fogo gelado de um cometa. Afia seu arpão e sai em disparada ao vazio da amplidão, como a cusparada de um homem sombrio. Secretamente pálida. Me devora com roupa e tudo, como um fera, uma agulha perfurando uma esfera que flutua tensa, à espera mansa de sua caça, como uma pantera.
segunda-feira, 1 de março de 2010
As folhas vertiam gás e calor, dos sóis em gelo convertido. Sob as raízes e terras, húmidas como o frio da noite, eu e a penumbra fazíamos sentido. Pousei. Misteriosamente dilacerei meu repouso enquanto insetos de rara beleza queimavam suas antenas nos raios da morte, como uma inscrição de amêndoa cravada no peito deste papiro.
Ali, alertas, alazões aládos alisavam suas pestanas e sepultavam seu sobrado. Sequer sonhavam. Será que soavam? Seriam seixos de som? Sussuram? Sim. Sempre. Sublimes ruminantes. Ramificam sinos e artérias. Sacramentam seu sangue. Sem sugar, se alimentam dele. Somente ali. No buraco do siri. Na imensa esfera no céu. Humanos percebem e superam, esperam o almoço no fundo do calabouço.
Ali, alertas, alazões aládos alisavam suas pestanas e sepultavam seu sobrado. Sequer sonhavam. Será que soavam? Seriam seixos de som? Sussuram? Sim. Sempre. Sublimes ruminantes. Ramificam sinos e artérias. Sacramentam seu sangue. Sem sugar, se alimentam dele. Somente ali. No buraco do siri. Na imensa esfera no céu. Humanos percebem e superam, esperam o almoço no fundo do calabouço.
Qual será definição para aquilo que rege a união de poesia, espírito e pensamento... Se escrevo em altos fluxos de pensamento corrente, posso buscar a origem, ou mais, a pureza do encontro entre o mundo dos sonhos e dos não-sonhos... O inconsciente penetrou no consciente para querer mostrar-me algo. Só não devo temer aquilo que me pertence... de resto, temo tudo e todos.
I
Hoje sou humano, sem ver o sol ser sol, sou humano. O astro que engole luz completa hoje um ano, e o universo canta como um caracól. As partes de meu corpo são como sombras num anzol, e o que vejo sempre reduz a poeira da atmosfera da vida. A vida desfila em sexos, rompe-me. Galáxia? Que merda é essa? Nós estamos com os dedos à postos, simplesmente sós.
II
Gelo de mim, num quadrado maior. Pedrinhas de sonhos que sugam suor. Chega perto. Rosto incerto. Sou uma lâmina de farol, sou um feixe de luz do sol, que rumina teu cabelo e espera por um elo, eloquente amarelo desta runa girassol. Sou um hábito escondido na urgência do bandido por sua fome ver menor.
III
Nú, crú, tú no escuro. Ave, chave, dor aturo. Mares, pares, dia puro. Naves, aves, eu no muro. Sinto. Sim. Sinto. Minto. Morro. Brinco. Onde está a quimera? Lencóis e odor de fera. Remou, cegou sua cor, sorriu de costas a ela, breve sou ator.
Hoje sou humano, sem ver o sol ser sol, sou humano. O astro que engole luz completa hoje um ano, e o universo canta como um caracól. As partes de meu corpo são como sombras num anzol, e o que vejo sempre reduz a poeira da atmosfera da vida. A vida desfila em sexos, rompe-me. Galáxia? Que merda é essa? Nós estamos com os dedos à postos, simplesmente sós.
II
Gelo de mim, num quadrado maior. Pedrinhas de sonhos que sugam suor. Chega perto. Rosto incerto. Sou uma lâmina de farol, sou um feixe de luz do sol, que rumina teu cabelo e espera por um elo, eloquente amarelo desta runa girassol. Sou um hábito escondido na urgência do bandido por sua fome ver menor.
III
Nú, crú, tú no escuro. Ave, chave, dor aturo. Mares, pares, dia puro. Naves, aves, eu no muro. Sinto. Sim. Sinto. Minto. Morro. Brinco. Onde está a quimera? Lencóis e odor de fera. Remou, cegou sua cor, sorriu de costas a ela, breve sou ator.
A vida é um crime. Uma pétala que se evidencia doutras muitas, todas gemem. A vida é um mito, poesia. A vida é um sopro fundindo o escopo de nossos amores. Afoita, é cheia de dores. Armada de relâmpagos prata. Fora, velha desalmada! Venha jovem. Enamorada. Não fuja. Fuja alma amada! Se aproximo da vida a minha pança, me canso. Se me inocento, me apavoro. Se me sugo o canto, sou denso, se sorrio a morte, lá eu moro. E você também, peso fátuo, descansará, mal ingrato, fujas conosco, amor, flor do parto, e ressucitarás, afinal, num prato.
CRIME!!!Psica. Psica. Psica. Análise. Análise. Análise. Análise. ANÁLISE. E. É . E . É. Pra quê? ??????? O sexo. Preceito. Vitória. Cama. Teatro. Cobiça. Terror. Coragem. O seco. Sexo. Sexo. Sexo. Sexo. Sexo. Sexo. Sexo. Sexo. Sexo. Escrito. Escrita. Sexo. Ira. Sexo. Trava. Ideia. Sexo. Morte. Energia. Sumo. Leite. Calor. Sexo. Palavras. Reino. Polska. Câmbio. Negro. Nego. Branco. Branco. Branco. Tempo. Tempo. Tempo. Tempo. Café. Sexo. Amor. Fácil. Próprio. Poder. Sexo. Poder. Doença. Poder. Sexo. Luz. Luz. Olivas. Medo. Medo. Medo. Medo. Medo. Medo. Moda.
Não consigo escrever a vida. A história sangra meu sangue e os becos silenciam a morte em meus dedos, num voo rasante. Não consigo entender o nosso mal, parece até que sigo o caminho do final. Sobre mim, nada fiz que tentar ser aprendiz. Adormeço no sonho que teço, ato para ida, palavra esquecida. Sofrendo à rubra sombra, como as penas de uma pomba.
sábado, 27 de fevereiro de 2010
Vejo o teu corpo passar pelo meu na esquina de uma multidão de fogo. Que olhos os teus. Eles me olham, procuram meus olhos e eu cedo à toda composição solitária de meu espírito, alegria. Te ofereço meu calor, vem para bem perto de mim, tudo em mim quer apenas te ver, vida linda em meu amor de mortal, branda como o acorde que Baden toca no violão, imensa. Você me abraça. Livra-me das vozes, muda todo o meu tempo. Digo algumas palavras despreocupadas, apenas quero dizer que te amo. E então me derramo em uma confortável poltrona ao brilho do dia.
sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010
Ela tem toda a beleza branca de uma nuvem em dias de chuva. Ela sabe que seu semblante é carregado de vermelho e deliciosas maneiras de sorrir. Quando quer vestir-se de beleza apenas delineia as curvas de seus olhos com uma fita negra de diamante, com toda a simplicidade de um botão de rosa que espera o sol nascer. Ela nasceu em mim e agora eu posso ser sua casa quente. Em minhas paredes estarão seus quadros feitos de música, meu próprio sangue será a tinta.
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010
O tempo é pouco, ou nem pouco nem muito. Logo estas velas estarão derretidas por completo. Posso ouvir os lobos uivando enquanto estou nesta mata, isolado do sono nesta barraca. Lá fora, milhares de formigas famintas circundam o calor da lona segura. O breu da noite revelou a tensão desta situação: as formigas tomaram o acampamento. Cada mordida individual provoca não dor, mas uma presença de vida poderosa. Ao meu redor vivem comunidades antigas de animais e forças famintas. Assim como eu, faminto. Estou morrendo de fome, ou vivendo de fome, tanto faz. Meu estômago e minha mente querem ser saciados com temperos, turcos ou sertanejos. Lentilhas e amor próprio. Me entregar de vez à vida. Um galho seco acabou de se soltar, quase rasgando o meu teto. Deveria eu estar mais atento à brincadeira dos sonhos?
Meu amor, que idade tem o tempo? Quando deixará de existir para nós? Vendo as camadas de cor destas rochas imensas, busco uma relação entre o tempo dos períodos geológicos e a (in)existente vastidão do infinito. Será que o nosso tempo corre em sentido único rumo à um infinito tão impalpável quanto o próprio tempo? Meu amor, meu amor... que espécie de ilusão é a vida? E como ela tornou-se para nós tão desiludida... Prefiro acreditar que a tua presença é a presença de um outro tempo, correndo livre em seu caminho que lhe foi dado, e sinto-me menos só.
Imagino um garotinho empurrando um grande portão de madeira com suas pequenas mãos, revelando uma sala bem limpa, sem mobília e com um grande tapete vermelho esticado ao centro. O garotinho adentra no templo e fica fascinado com a imagem de um monge sentado em posição de lótus, como a imagem de Buda. Ele está ansioso e livre de qualquer espécie de medo. O mestre mantém-se em silêncio por vários minutos até dirigir a palavra ao menino, que se senta no chão, mal podendo piscar os olhos.
O ombro é uma região muito aromática e potencialmente bem aventurada, um apelo inevitável ao despertar dos sentidos. Na mulher, o ombro entrega, em um delírio, todas as formas do corpo feminino. A beleza atinge seu ponto máximo ao fundir as curvas do meu próprio nariz com as curvas dos ombros daquela moça-flor. Me sinto investido de uma serena contemplação interior de toda a vida que habita cada corpo, assim como quando presencio a morte de uma estrela, ou o toque das tuas mãos brancas. E a ordem ressurge infinita nos ares da pele.
quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010
Eu preciso de palavras (mas há nenhuma). Palavras não há para te contar que me arde, me devora, me espanta o teu olhar. O teu olhar... Olhar de abelha-rainha, carregado de sonho, de Lua, completo ao me olhar. Me olha. Lembra dos ombros, nuca ou pé, mas olha bem aqui dentro do meus olhos. Palavras... palavras há poucas... E gigantes! Palavras cheias de essência! E, amor, aqui dentro vive puro, puro, puro... O teu olhar. Todos os teus sentidos. Somos iguais... E eu ardo por nós. Vejo cores, camelos, desertos, em teu olhar. Vejo flores cheias de vida nele. Vejo todas as coisas. Serei sempre teu puro olhar, se me aceitares com o meu puro amor, até que o mundo se se acabe, se durar. Para sempre é pouco para tanto olhar, para tanta boca que tua face abriga. Sei bem pouco com um lápis desenhar no papel, mas posso te desenhar dentro de mim. Sei pouco sobre esculpir no aço ou barro, mas com um formão posso te esculpir em minha mão. Puro... Entregando-me à brisa doce da tua noite. Um par de mãos. Dois pares de mãos. Três pares de mãos... e muito mais. Porque amo-te mais acima que a própria mão do mundo, ou do medo do domingo mudo. Apenas vivendo na leveza das nuvens sobre tuas costas protegidas por meu corpo (teu corpo). Mesmo que meus olhos fossem arrancados por uma serpente da natureza, eu ainda poderia ter todo amor vendo o teu olhar... Esse olhar que vê todo o amor do mundo, por todos os cantos desta casa, desta cama.
terça-feira, 9 de fevereiro de 2010
Ao teu lado eu tento prestar mais atenção no tempo. Dançando ao som da brisa, solto em teu corpo de vento. Porque dentro deste meu corpo há confrontos entre o que sou, serei e o que inevitavelmente deixarei de ser... como se tudo não fosse a mesma coisa. No entanto, há o confronto. Por que? Por que penso tanto em tudo sobre mim? Às vezes me canso de mim, mas também não posso viver sem. E sabes, perto de ti não há tanto confronto, apenas um leve sabor de livre vontade. Saber amar é saber deixar usted me amar, sem desaprender a viver. Como um maremoto que devasta o litoral e depois retorna ao mar, voltando a ser uma simples água. Simples água, simples homem.
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010
Besouro. Besouro. Fada... No jardim imenso, soltos.
Me espere com tua doce flor, já já trago-te um pólen.
Diz o besouro. E saiu voando com suas grossas asas.
A pequenina Ninfa ficou apenas observando.
O besouro pesadão saltou da margarida
E foi buscar no alto da árvore,
Na flor mais alta, o mel para sua amada,
Arriscando fácilmente a vida.
Me espere com tua doce flor, já já trago-te um pólen.
Diz o besouro. E saiu voando com suas grossas asas.
A pequenina Ninfa ficou apenas observando.
O besouro pesadão saltou da margarida
E foi buscar no alto da árvore,
Na flor mais alta, o mel para sua amada,
Arriscando fácilmente a vida.
Vou andando pela rua atravessando todas as ruas e saio de sobresalto de um terrível atropelamento que concebi em minhas retinas bem antes do carro se aproximar da esquina. Desviei meu corpo em uma cambalhota, e outra cambalhota e me esmaguei entre as laranjas derramadas no chão, caixas de laranjas massacradas, meu corpo necessita um abrigo, estou sangrando suco de laranja, precisa de um médico, Doutor pode fazer algo por mim... Sinto muito, meu filho, você está condenado. Estou? Não, acho que não. Talvez louco. Imagine se um dia eu for internado? Imagina se alguem de coração frio leia este diário e me acuse perante todos, Ele é um perigo para sociedade, um perigo para si mesmo. Há muitos anos atrás o meu passado era mui atraente. Fui pistoleiro nas gargantas do Grand Cannyon e corria no lombo de meu cavalo de pelo pardo. Então durante uma operação de assalto à diligência do Governador, quando eu estava prestes a conseguir a mira exata do centro de sua testa, cavalgando rápido ao lado da carruagem, meu cavalo quebrou o pé, pobre coitado. Minha testa foi direto de encontro à poeira do solo. Uma das rodas da carruagem decepou meu braço direito, o gatilho mais rápido do continente. Tornei-me um velho aleijado de merda. Mas não hoje. Hoje eu morri. Eu menti para vocês. Não houve nenhuma cambalhota, e outra cambalhota, tampouco as laranjas que me feriram a carne. O céu é azul, cinza, preto, nada. Sono. Porque o pavor? Ei, ei, se acalme. Está tudo bem. Não dói mais. Mas te faz sentir falta de muitas coisas. Do amor, por exemplo. E também das flores. Vozes, também. Brisa, ah, a brisa. Meu bom e velho braço de guerra, que desfez bandidos e amassou garotas, nunca enxugou minhas próprias lágrimas, pois elas nunca existiram. Exceto neste instante. Foi preciso morrer para aprender a importância de morrer. Economize o pranto. Rolei ribanceira abaixo naquela calçada de concreto. Agora estou sentado num banco de praça, aqui em algum lugar que não consigo descrever. Um lugar que não é lugar nenhum. Um véu de seda do avesso. Uma sutileza de calor misturado com frio. Um poste frio esmagado. Um sonho caído.
sexta-feira, 29 de janeiro de 2010
Às vezes, nem mil palavras exprimidas num amplo verso poderiam lhe dizer como amo o teu silêncio. No silêncio, quem fala mais alto é o corpo, e o teu corpo é digno da arte mais profunda que eu poderia lhe homenagear. Teu corpo foi esculpido dentro do meu, e pode se sentir seguro. No silêncio, quem grita são os olhos. E os teus são como um prato cheio de comida, que eu quero devorar até que minha visão torne-se um minúsculo pontinho perdido em seu horizonte profundo, infinito. O que são as palavras? A tua presença entra pelos sete buracos da minha cabeça, o que são as palavras? O tempo continua a inundar todos os cantos de um castelo escuro que é o meu universo, mas quando eu pude tocar em tua boca, finalmente o tempo deixou de correr desesperado e começou a dançar lentamente pela estrada. E as palavras? São tesouros, meu amor. E estão bem guardadas. Se provocadas desejam vir, quando querem. E beijam minha nuca, e sossegam em tua orelha. Retornam ao silêncio do corpo fazendo-o girar como um trapezista delirante no ar. Palavras. Podem ser como a harpa de uma orquestra, que baila solta no vento como um tecido de seda. Podem ser como os violinos que tomam nas mãos as rédeas de qualquer situação. Podem se igualar aos oboés, trompas e flautas, que derramam pelo corpo melodias como açúcar derretido. Imagine as palavras como a pesada tuba, que leva a orquestra a flutuar na delicadeza grave e imponente de suas notas marcadas. Nessa orquestra de silêncios e palavras, posso ser o teu maestro e teu primeiro expectador. Palavras são silêncios, e silêncios são palavras. Você é linda.
quinta-feira, 28 de janeiro de 2010
minha música é uma gaveta funda
guarda o mundo todo num acorde.
minha música é simples e surda
causa-me espanto, derrama-se muda.
minha música é uma dialogo eterno
entre minha carne e a tua carne.
minha música sossega meus olhos
entrega-se à vida como uma grávida.
minha música um dia há de silenciar
queria toca-la todos os dias para você.
minha música é o que sobrou de ti
e nunca há de ser nada além de ti.
minha música é pouco mais que um choro
e sempre há de ser mais que uma lágrima.
minha música existe e nada mais importa.
minha música diz a mim "você está vivo".
é pouca, é quase nada, dela não espere nada,
espere tudo, te espero sempre. Estou partindo.
guarda o mundo todo num acorde.
minha música é simples e surda
causa-me espanto, derrama-se muda.
minha música é uma dialogo eterno
entre minha carne e a tua carne.
minha música sossega meus olhos
entrega-se à vida como uma grávida.
minha música um dia há de silenciar
queria toca-la todos os dias para você.
minha música é o que sobrou de ti
e nunca há de ser nada além de ti.
minha música é pouco mais que um choro
e sempre há de ser mais que uma lágrima.
minha música existe e nada mais importa.
minha música diz a mim "você está vivo".
é pouca, é quase nada, dela não espere nada,
espere tudo, te espero sempre. Estou partindo.
Tento ver na beleza o presente. Mulher, qualquer pele que seja a tua própria será a tua linda pele. Se a tua voz olhar para mim, porque eu sei que preciso desse olhar, eu sei que vou te amar, e sei que já sou teu. O que mais me faria vir a Ser? É só essa tamanha beleza que me permito enxergar em você. Músicas. Só existem pois vejo, como árvores, as mãozinhas do meu filhinho que ainda não nasceu. E busco na Lua o nome dele, e mais fundo, na eterna amplidão, busco o teu nome. Sou homem de lágrima e ação que desabrocha nestes mesmos olhos que enxergam a totalidade de tua vida em flor. Doce vida. Doce amargo de existir. Existir por amor.
Eu vim aqui escrever sobre o romance e pelo romance, pois havia tempos que não podia escrever nada sobre esse assunto. Acontece que a gente é surpreendido pelos eventos da vida. Eu não tenho nada de concreto para apresentar como o fato que me motivou vir até aqui escrever essas palavras, nenhum encontro, nenhuma palavra de amor e poucos olhares, ou seja, o terreno ideal para o romântico falar sobre as coisas que vê. Assumi que a paixão não deveria existir mas existe e eu não posso fazer nada a respeito. Se não o fizer, em contrapartida, morrerei de solidão e desamor. Neste momento, quem sabe, busco eu a ajuda do papel para tentar dizê-lo que já sei como proceder, ou pelo menos desta vez tenho uma melhor ideia sobre como sugar apenas o doce ar do romance, deixando de lado o fumaça amarga da frutífera desilusão. A situação é que eu sei absolutamente pouco sobre a profundidade do universo dela, e ela pouco do meu (poderiam ser a mesma coisa?). O que pode encontrar o pensamento ao buscar conhecer mais sobre o pensamento do outro? Semelhanças, sim. E também diferenças. Mas de que maneira isso importa? Ora, podemos conversar sobre assuntos que ambos possuem afinidade. Porém tudo é a busca de um sentimento a se compartilhar de uma forma nova. O quê eu posso oferecer para ela além de tudo que está dentro de mim e tudo que eu posso vir potencialmente a buscar? Como saber quando e como agir? É coisa que não se sabe. Agir é se permitir, se permitir foge a estrutura de qualquer norma. É deixar de lado o ser que só pensa, e abrir caminho para a sensibilidade de expressar o gozo. Prova que é possível: estou vivo não estou?
Essa existência profunda que me inunda aos poucos me torna um sábio desafiador de minha própria convicção misteriosa, que corta meus pulsos e abre meu peito, deixando jorrar de minha boca uma retórica ilusória, rumo aos confins do outro lado do infinito que em meu corpo nasceu... Eu, como a bruma do sótão de minha casa, fujo da realidade pois anseio voltar para o seio da paixão e brotar como leite na boca de outra pessoa, alguma pessoa, qualquer pessoa que me queira, e derramar-me todo como uma manhã tímida sobre a noite.
De que me importa se a vida siga toda manhã...? De manhã é que choro minhas lágrimas a todas as pessoas que andam sem rosto, pois é a hora que ninguém me vê... É que esse mundo tem uma dor... Que não sei explicar, mas existe. Em algum beco ou passarela dentro deste meu corpo de Baco. É o espinho. A ferida. Algo inacabado, incompleto. Um susto que se leva por ter se esquecido do peito.
Espero que ainda exista gente, cá na terra, que não tenha esquecido de seu próprio peito, como eu frequentemente tento não fazer, mas faço. Tempo. Tento lutar contra ele. Amargo tempo. O que seria do precioso "eu" sem ele? Este ego, eu nego.
Então é comum, quando chove, as orelhas se arrebentarem. Os dentes se triturarem numa agonia eterna. D-O-R. Deveria ter feito isto. Deveria ter causado espanto no tempo! "Ei, Cacique, veja só como eu ainda estou aqui"! Mas é nada, quase água.
Explosão no céu, é uma estrela sacrificada mais cedo, talvez. Eu nada posso fazer. Que adiantaria um duelo? O gigante contra o anão. Um sol contra um verme. Às vezes, tenho vontade de não ser qualquer coisa além de pura terra. Pura estrela. Sem tempo, nem sangue.
O tempo me fere como uma lança em brasa. Os minutos e segundos onde só há o desamor, são o tempo. Então... traz de volta, vida, a vida dos olhos que não são meus. Volta nesse tempo emendado com todo o vento do mundo. Tráz de volta, tempo, o tempo que se perdeu, passou, pois assim eu não passarei mais. Sem fugir, apenas deixarei de existir e estarei amando tudo demais para sequer lembrar desse tempo que me judia.
Estarei amando à mando de algo a mais. Bom dia, sexta-feira cinza e fria. As ruas estão vazias. Eu nesta repartição imagino você confortávelmente adormecida. Pela janela vejo a rua. É verdade... Estão tristes e vazias.
Espero que ainda exista gente, cá na terra, que não tenha esquecido de seu próprio peito, como eu frequentemente tento não fazer, mas faço. Tempo. Tento lutar contra ele. Amargo tempo. O que seria do precioso "eu" sem ele? Este ego, eu nego.
Então é comum, quando chove, as orelhas se arrebentarem. Os dentes se triturarem numa agonia eterna. D-O-R. Deveria ter feito isto. Deveria ter causado espanto no tempo! "Ei, Cacique, veja só como eu ainda estou aqui"! Mas é nada, quase água.
Explosão no céu, é uma estrela sacrificada mais cedo, talvez. Eu nada posso fazer. Que adiantaria um duelo? O gigante contra o anão. Um sol contra um verme. Às vezes, tenho vontade de não ser qualquer coisa além de pura terra. Pura estrela. Sem tempo, nem sangue.
O tempo me fere como uma lança em brasa. Os minutos e segundos onde só há o desamor, são o tempo. Então... traz de volta, vida, a vida dos olhos que não são meus. Volta nesse tempo emendado com todo o vento do mundo. Tráz de volta, tempo, o tempo que se perdeu, passou, pois assim eu não passarei mais. Sem fugir, apenas deixarei de existir e estarei amando tudo demais para sequer lembrar desse tempo que me judia.
Estarei amando à mando de algo a mais. Bom dia, sexta-feira cinza e fria. As ruas estão vazias. Eu nesta repartição imagino você confortávelmente adormecida. Pela janela vejo a rua. É verdade... Estão tristes e vazias.
terça-feira, 19 de janeiro de 2010
Fui inundado por uma vida em forma de mulher, que antes de correr ao meu lado pela estrada, derreteu-se por entre meus dedos como cera, deixando-me fraco como planta sem luz. Não sei se foi o calor da minha pele ou o frio do meu coração negro e sensível, mas algo quis afastar tuas costelas das minhas. E agora posso ver meu reflexo e reconhecer-me preenchido por toda a paixão fantasma dessa vida. Queria poder lhe dizer que ainda lhe amo... E para sempre amarei sua cabeça cheia de cabelos. Se ao menos a sua cabeça ainda possuísse orelhas, talvez eu não perdesse minha voz e viveria tão mudo. Se eu pudesse voltar no tempo, seria tudo diferente? Posso provar que lhe amo esquecendo que lhe amo?
terça-feira, 12 de janeiro de 2010
Por fora, apenas um minúsculo corpo feito de carne quente, que um dia deverá deixar de existir. Por dentro, todo o universo transita em calhas feitas de palavras & rostos, sons... Que se despejam num impalpável oceano de tempo. Líquido como ar dentro de uma pedra. Cada mergulho revigora o peito. Tanto sentimento numa célula tão pequena, que se sente só por estar tão solta mas sabe que é perfeita em sua solidão enclausurada. E por tentar se amar, se odeia. É tanta história para contar...
quarta-feira, 6 de janeiro de 2010
Não importa. A cada manhã que desperto meus sentidos devem estar sempre prontos para mais um dia de exposição e renovação. Foi-se a época em que eu deixava de viver por medo de morrer. Você já sentiu isso? Quantas noites revirando a cabeça no travesseiro, apertando os olhos contra o seu próprio interior, sentindo o grande medo, o supremo medo. Afinal, o que é não existir? Como saberei! E se não der tempo? Desespero.
Então eu me levanto, cansado de estremecer, cansado de procurar respostas, cansado do medo da incompreensão das coisas. Até perceber que tudo é uma grande incompreensão. O que pode-se saber sobre a impermanência? Bem, não podemos ficar sofrendo na cama sozinhos a noite inteira. A gente se cansa uma hora. O que eu faço? Levanto-me e coloco no meu velho som aquela fita velha de Villa-Lobos.
Você conhece Villa-Lobos? Dizem que seu amor pela vida era tão enorme que ele sabia conduzir os rumos dos ventos num campo aberto, onde as árvores permaneciam estáticas. Pinheiros, eucaliptos, araucárias, imóveis. Villa-Lobos então dizia às crianças: “Observem como o vento gosta de ser chamado”. Então ele, não mais de repente, começava a assobiar. Aquele assobio fazia um efeito no mundo onde todas as coisas começavam a mover-se! Instantaneamente, como vindo de um profundo sentimento de avesso causado por seu próprio medo, ventos! Uma ventania sem precedentes se apossava dos ramos das árvores, e elas começavam a dançar e balançar de um lado para o outro!
As crianças arregalavam os olhos e gritavam de contentamento! Finalmente poderiam empinar suas pipas! Todas elas saiam correndo como animais satisfeitos após uma refeição, enquanto Villa apenas observava todo aquele mundo, como era lindo, como a vida era linda, com um discreto sorriso no rosto, sombreado por seu tradicional chapéu panamá.
Nas noites de confusão e medo da morte, ouvir sua música era a grande saída para o meu pavor total. Acendia em mim a esperança que, talvez, viver não seja tão ruim assim. Ao meu lado eu via dois homens cumprimentando-se e, no mesmo instante, chamas alaranjadas emergiam possuindo seus corpos. Então, no auge da passagem mais bela dos violinos, onde as trompas e os fagotes escorriam o mel de uma melodia tão carregada de tristeza e doçura, eu via, ao longe eu via, aquele rostinho lindo, olhando para mim de baixo. Eu podia, enfim, ver suas mãozinhas frágeis segurando a barra de minha calça. Era o rostinho de meu filho, que eu ainda nem conhecia.
Logo eu percebia que nada adiantava ficar me debatendo às 4 horas da madrugada em minha cama, com medo da morte por não saber viver, não! Daquele momento em diante eu deveria aprender a viver. E para viver, e também para o meu filho viver, eu sabia que deveria procurar a vida.
Eu soube qual seria então a minha busca, a única busca que é válida nesse mundo. A eterna busca da beleza das coisas, de Deus, do amor enfim. Nestas noites completamente solitárias, enclausuradas no meu eterno pavor de sobreviver sem ter amado verdadeiramente, eu descansava meus músculos num sadio relaxamento interior.
Paciência. Este amor há de existir. Paciência. Seu filho reside nas páginas velhas de um livro de poesia, ou nas mãos cuidadosas que um dia hão de afagar minha nuca que transpira meu mais puro desejo.
A minha melancolia era tão sóbria que eu fui até a janela, onde residem do lado de fora os postes de luz incandescentes, o meu limoeiro tão cheiroso pelas manhãs, e as flores da roseira, todos estáticos, e no mais complexo e infinito silêncio da madrugada eu assobiava uma linha melódica semelhante ao de Villa, porém minha, minha melodia saída de dentro de mim.
Ele estava certo. O vento veio e estremeceu aquele mundo adormecido e escuro, onde só eu permanecia acordado. A vida poderia mesmo, daquela forma solitária e vasta, ser bela.
Então eu me levanto, cansado de estremecer, cansado de procurar respostas, cansado do medo da incompreensão das coisas. Até perceber que tudo é uma grande incompreensão. O que pode-se saber sobre a impermanência? Bem, não podemos ficar sofrendo na cama sozinhos a noite inteira. A gente se cansa uma hora. O que eu faço? Levanto-me e coloco no meu velho som aquela fita velha de Villa-Lobos.
Você conhece Villa-Lobos? Dizem que seu amor pela vida era tão enorme que ele sabia conduzir os rumos dos ventos num campo aberto, onde as árvores permaneciam estáticas. Pinheiros, eucaliptos, araucárias, imóveis. Villa-Lobos então dizia às crianças: “Observem como o vento gosta de ser chamado”. Então ele, não mais de repente, começava a assobiar. Aquele assobio fazia um efeito no mundo onde todas as coisas começavam a mover-se! Instantaneamente, como vindo de um profundo sentimento de avesso causado por seu próprio medo, ventos! Uma ventania sem precedentes se apossava dos ramos das árvores, e elas começavam a dançar e balançar de um lado para o outro!
As crianças arregalavam os olhos e gritavam de contentamento! Finalmente poderiam empinar suas pipas! Todas elas saiam correndo como animais satisfeitos após uma refeição, enquanto Villa apenas observava todo aquele mundo, como era lindo, como a vida era linda, com um discreto sorriso no rosto, sombreado por seu tradicional chapéu panamá.
Nas noites de confusão e medo da morte, ouvir sua música era a grande saída para o meu pavor total. Acendia em mim a esperança que, talvez, viver não seja tão ruim assim. Ao meu lado eu via dois homens cumprimentando-se e, no mesmo instante, chamas alaranjadas emergiam possuindo seus corpos. Então, no auge da passagem mais bela dos violinos, onde as trompas e os fagotes escorriam o mel de uma melodia tão carregada de tristeza e doçura, eu via, ao longe eu via, aquele rostinho lindo, olhando para mim de baixo. Eu podia, enfim, ver suas mãozinhas frágeis segurando a barra de minha calça. Era o rostinho de meu filho, que eu ainda nem conhecia.
Logo eu percebia que nada adiantava ficar me debatendo às 4 horas da madrugada em minha cama, com medo da morte por não saber viver, não! Daquele momento em diante eu deveria aprender a viver. E para viver, e também para o meu filho viver, eu sabia que deveria procurar a vida.
Eu soube qual seria então a minha busca, a única busca que é válida nesse mundo. A eterna busca da beleza das coisas, de Deus, do amor enfim. Nestas noites completamente solitárias, enclausuradas no meu eterno pavor de sobreviver sem ter amado verdadeiramente, eu descansava meus músculos num sadio relaxamento interior.
Paciência. Este amor há de existir. Paciência. Seu filho reside nas páginas velhas de um livro de poesia, ou nas mãos cuidadosas que um dia hão de afagar minha nuca que transpira meu mais puro desejo.
A minha melancolia era tão sóbria que eu fui até a janela, onde residem do lado de fora os postes de luz incandescentes, o meu limoeiro tão cheiroso pelas manhãs, e as flores da roseira, todos estáticos, e no mais complexo e infinito silêncio da madrugada eu assobiava uma linha melódica semelhante ao de Villa, porém minha, minha melodia saída de dentro de mim.
Ele estava certo. O vento veio e estremeceu aquele mundo adormecido e escuro, onde só eu permanecia acordado. A vida poderia mesmo, daquela forma solitária e vasta, ser bela.
As ideias estão confusas. Feels like hell inside. Não são eles, não é nada, apenas tudo o que você é. Um hipócrita. Um pássaro que deseja ter asas maiores, e por não ter quer decepar as asas de todos do bando. Um vilão. Maldoso e apodrecido. Hálito de sangue com aroma inconfudível de guerra. Uma guerra santa. Eu não sou feito de amor, não o tenho! Sofro e, neste exato momento, me assemelho mais do que nunca à uma hiena oportunista. Estou caíndo pelas paredes do castelo. Longe de casa, longe de tudo, tudo que possa trazer a vida à tona. Mas o que me prende nesta terra... o que me mistura à cal como um braço que derrete é essa busca por dizer tudo que sempre achei ser indizível. Conhecer o mundo e me foder à beça, como um cão sarnento emporcalhado de lama e carrapatos. Sinto que minha raiva é completamente por mim! Embora o extremo oposto de uma carga tão negativa, o meu amor, me diz: não se odeie tanto, odeie os outros. Foda-se. Percebo que este nojo é mais magnífica expressão da desordem. DESORDEM! ANARQUIA MENTAL! Explosivos depositados em tua orelha imunda e irreconhecível. Essa vala que me aparece no meio do caminho é o meu lugar, meu criatório de porcos, eu porco! Porco. Estúpido. Mesquinho. HIPÓCRITA. Surdo. Mudo. Diabo. Lixo.
"Desapega disso, garoto..."
"... Desapegou?"
"Sim, velho, agora desapeguei."
"Desapega disso, garoto..."
"... Desapegou?"
"Sim, velho, agora desapeguei."
(Colocar música trilha sonora: Sambolero - Luis Bonfá)
Um pierrôt andava triste pelas calçadas. Não havia ninguém que ele pudesse amar. Ele queria impressionar alguém, queria risos. Mas na verdade existia sim alguém especial como ele, sem saber quem era, ele sabia que existia.
O sol da tarde projetava sombras doces sobre os pedestres. Então ele a viu, sentada num banquinho, aparentemente entristecida. Logo percebeu que ela estava apenas silenciosa. Uma linda Colombina! Ele logo se apaixonou por sua formosura.
Ele estufou o peito de coragem! Sua expressão tornou-se engraçada. Ele se apresentou e começou a se exibir para ela com alguns truques. Porém ela nem o percebeu, continuando silenciosa e indecisa.
Após pensar e pensar, ele decidiu abordá-la, dessa vez com charme e sinceridade. Se ajoelha na frente dela, e com muita habilidade retira de dentro do peito o próprio coração, pulsando freneticamente, e ofereceu-o a Colombina. Ela o rejeitou, levantando-se e saindo visivelmente chocada com aquela demonstração. Ele permaneceu sentado no banco da calçada, sozinho. Retirou das costas um trompete e começou a tocar um bolero.
Alguns momentos depois, passa em sua frente a mesma colombina por quem seu coração fora rejeitado. Coração que ainda se encontrava apertado em sua mão esquerda. Dessa vez, ela está acompanhada por um outro pierrôt, mais forte, alto e convencido. Ela parece fascinada. O nosso pierrôt decide segui-los.
Numa ponte, ele vê a colombina e o pierrôt arrogante trocando beijinhos. Ele espia arrasado por detrás de uma árvore e vê a Colombina fazendo o mesmo truque que aprendera com ele. Ela retira seu próprio coração e põe nas mãos do pierrot convencido.
Neste instante, duas lindas jovens devidamente vestidas para o baile da noite atravessaram a ponte. Não fizeram nem questão de esconder os sorrisinhos para o pierrôt metido, que ficou completamente alucinado. Sem notar o quê estava segurando nas mãos, ele atirou o coração da linda colombina no chão. Pediu licença para ela sair de seu caminho e foi correndo atrás das duas jovens.
Aquilo foi demais para ela. O rosto delicado de flor manchou-se de lágrimas incessantes. Vendo seu coração no chão, espatifado como um objeto irregular sobre uma arca, ela começou a achar bem atraente a ideia de se atirar da ponte, mas logo desistiu. Virou-se novamente para o coração murcho no chão e se abaixou lentamente para pegá-lo. Pouco antes de sua mão poder tocá-lo, outra mão surgiu e o capturou.
O pierrôt apaixonado apenas sorriu e estendeu a mão direita com o coração da colombina. Ela esticou a sua mão, mas o que ela buscou foi a mão esquerda do palhaço, que ainda segurava seu coração amassado. Ela pegou o coração dele com as duas mãos. Seu corpo estava perto demais do corpo dele, e ele suspirou com aquele perfume de rosas.
Os dois colocaram de volta no próprio peito o coração alheio, e saíram dançando e se abraçando pela ponte. Ele tocando para ela, no velho trompete, uma linda melodia de amor, enquanto ela dançava ao seu redor graciosamente. E assim atravessaram a ponte.
Um pierrôt andava triste pelas calçadas. Não havia ninguém que ele pudesse amar. Ele queria impressionar alguém, queria risos. Mas na verdade existia sim alguém especial como ele, sem saber quem era, ele sabia que existia.
O sol da tarde projetava sombras doces sobre os pedestres. Então ele a viu, sentada num banquinho, aparentemente entristecida. Logo percebeu que ela estava apenas silenciosa. Uma linda Colombina! Ele logo se apaixonou por sua formosura.
Ele estufou o peito de coragem! Sua expressão tornou-se engraçada. Ele se apresentou e começou a se exibir para ela com alguns truques. Porém ela nem o percebeu, continuando silenciosa e indecisa.
Após pensar e pensar, ele decidiu abordá-la, dessa vez com charme e sinceridade. Se ajoelha na frente dela, e com muita habilidade retira de dentro do peito o próprio coração, pulsando freneticamente, e ofereceu-o a Colombina. Ela o rejeitou, levantando-se e saindo visivelmente chocada com aquela demonstração. Ele permaneceu sentado no banco da calçada, sozinho. Retirou das costas um trompete e começou a tocar um bolero.
Alguns momentos depois, passa em sua frente a mesma colombina por quem seu coração fora rejeitado. Coração que ainda se encontrava apertado em sua mão esquerda. Dessa vez, ela está acompanhada por um outro pierrôt, mais forte, alto e convencido. Ela parece fascinada. O nosso pierrôt decide segui-los.
Numa ponte, ele vê a colombina e o pierrôt arrogante trocando beijinhos. Ele espia arrasado por detrás de uma árvore e vê a Colombina fazendo o mesmo truque que aprendera com ele. Ela retira seu próprio coração e põe nas mãos do pierrot convencido.
Neste instante, duas lindas jovens devidamente vestidas para o baile da noite atravessaram a ponte. Não fizeram nem questão de esconder os sorrisinhos para o pierrôt metido, que ficou completamente alucinado. Sem notar o quê estava segurando nas mãos, ele atirou o coração da linda colombina no chão. Pediu licença para ela sair de seu caminho e foi correndo atrás das duas jovens.
Aquilo foi demais para ela. O rosto delicado de flor manchou-se de lágrimas incessantes. Vendo seu coração no chão, espatifado como um objeto irregular sobre uma arca, ela começou a achar bem atraente a ideia de se atirar da ponte, mas logo desistiu. Virou-se novamente para o coração murcho no chão e se abaixou lentamente para pegá-lo. Pouco antes de sua mão poder tocá-lo, outra mão surgiu e o capturou.
O pierrôt apaixonado apenas sorriu e estendeu a mão direita com o coração da colombina. Ela esticou a sua mão, mas o que ela buscou foi a mão esquerda do palhaço, que ainda segurava seu coração amassado. Ela pegou o coração dele com as duas mãos. Seu corpo estava perto demais do corpo dele, e ele suspirou com aquele perfume de rosas.
Os dois colocaram de volta no próprio peito o coração alheio, e saíram dançando e se abraçando pela ponte. Ele tocando para ela, no velho trompete, uma linda melodia de amor, enquanto ela dançava ao seu redor graciosamente. E assim atravessaram a ponte.
Desta vez, após sair de um concerto de violoncelos na casa do amigo Modigliani, o pierrôt sentiu que seria válido atravessar o largo, em direção à bodega mais próxima, para tomar mais alguns tragos de rum. Pouco antes, enquanto os quatro amigos Modi, Utrillo, Rivera e Picasso executavam Vivaldi, ele interrompeu a música com um grito agudo, dançando embriagado sobre uma das bancadas de madeira onde Modigliani depositava tintas. Por estar com o coração leve e musical - ele considerava um privilégio presenciar aquele momento entre amigos - numa atmosfera mística e carregada de emoção, o pierrôt começou a cantarolar uma canção vinda de outras beiradas do mundo, lá das terras do Brasil, e todos silenciaram:
“Sei que é doloroso um palhaço
Se afastar do palco por alguém...
Volta, a platéia te reclama!
Sei que choras, palhaço,
por alguém que não te ama...
Enxugas as lágrimas
e me dê um abraço
e não te esqueças
que és um palhaço!
Faça a platéia gargalhar...
um palhaço não deve chorar...”
Todos aplaudiram! Que momento de alegria! O palhaço sentiu que nada mais devia ser feito senão buscar uma nova garrafa de rum para celebrar, e todos se regozijaram! Ele saiu para a rua ébrio como nunca estivera na vida. Porém, dessa vez, havia um cheiro acre de lama e pedra molhada que transformou sua alegria em melancolia, uma melancolia intensa e impenetrável, como já era de se esperar. A perambular pelos becos vazios de uma cidade adormecida, ele pôs-se a pensar na sua colombina mais bela de todas. De certa forma, ele estava satisfeito. Na noite anterior, havia deixado em mãos alguns versos apaixonados, os quais ela retribuiu com um sorriso tímido, mas que o deixou suavemente encantado pelo mistério daquela figura aromática e linda.
Embriagado de amor, passando pela mesma ponte onde deram-se as mãos pela primeira vez, o palhaço subiu no fino parapeito e caminhou equilibrando-se com os braços. Embaixo, um rio escorria suas águas negras como a noite e desconhecidamente profundas. Na completa euforia, ele não se importava tanto com o risco. Por isso, ele escorregou.
Já a uns 3 metros de profundidade, ele sentiu no silencio das águas a mesma melodia executada por seus amigos, num frágil timbre de violoncelo. Ele abriu os olhos, mas nada podia ser visto naquela escuridão. Tornou-se fácil não respirar, o pulmão ainda possuía um pouco de ar. Ele começou a sentir o êxtase. Era uma sensação curiosa para ele, que gostava de colecionar sensações variadas e extraordinárias para apenas um corpo humano. Sentia ao mesmo tempo uma espécie de paz, sono, calor. Toda a embriaguez se fora. O oxigênio em seus pulmões já havia sido totalmente absorvido. O gás carbônico começou a ser expelido, formando borbulhas surdas no fundo do rio.
Afinal, aqui não está tão ruim assim, o palhaço pensou. Seu corpo já havia atingido os 7 metros de profundidade. Que emoção! Com certeza, este foi o melhor dia de sua vida. Obtivera o sorriso da colombina mais bela e distante de todas. Bebera o absinto sagrado juntos aos maiores pintores e músicos que já tivera a honra de conhecer. Cantara para eles sua canção e depois dançara sobre o próprio reflexo nas águas negras do rio, mergulhando assim para a morte como quem se deixa afundar num poço de paixão. A maquiagem já havia desbotado quando os olhos do pierrôt fecharam-se ao som das cordas. Felizmente, ele não pode ver seu rosto limpo.
(Sonho Frito)... Esta noite eu quis te despertar de um pesadelo horrível. Eu também vivia o pesadelo. Quase pude ver as gotículas de suor escorrerem em seus cabelos. Eu pensei tanto em você que, mesmo a uma distância de infinitos anos-luz, quis acordar você daquele sonho turvo, incerto...
(Don Giovanni e Frank Zappa) ... Tem início a orquestra. O clarinete assumiu como o flagelo principal de uma estrofe encantadora. E a tuba... A TUBA, berrou até o último expectador sentado no alto de uma montanha polar que parasse de pensar, sentir, ao mesmo tempo sentindo os ramos dos quadros pintados por todas as mãos que conduzem os violinos incessantes, como escarros, como pedras fluindo no vagar da imensidão cristalina de textura exatamente igual aos tímpanos, que perfuram o cérebro do maestro flácido, e de gênero semelhante ao acordeon que surpreendeu a todos os compositores clássicos que adormecem hoje na ponta mais aguda do espinho da roseira mais fria, tão fria que os dedos dos músicos começaram a dançar numa frenética espontaneidade de movimentos, distantes e sozinhos em suas respectivas covas, uma na Espanha, outra nas ilhas pacíficas do continente Norte, outras no vácuo do caminho entre a teia negra e o impalpável espírito de cada músico daquela orquestra vazia e imensamente completa...
(Echoes)... Sim, pois não! Ora, ora ,ora, não te preocupes, ninguém canta mais às bordas do albatroz angustiado por sua inteira vida, vida tola de brancura que nem mesmo seus bicos dourados poderão fazer calar, num infinito propagado de cores e home sick blues de mortes negras às margens do rio mississipi down to new orleans, onde foram criados mudos, os dedos de Hank Willians ou as cordas de tripa vocais de Robert Johnson que escapam numa sombra internada sobre imensos olhares de peixe morto, dentro de um caixão podre e mal acabado. Tanto melhor se o sopro de minha mente puder fluir dessa forma para que o céu azul torne-se um pretexto para minh'alma se apossar do fel e da carne do Lobo, enxergando melhor o albatroz e o cordeiro do pastor, que se chama "meus pés"!...
(For The Love of God)... e mal dissimulado! BEM DISSIMULADO! Um "bend" simulado, nas mãos de um jazz man...
(Amazônia Entorpecida)... Primeiro, PARA! Eu quero descer. Deste momento em diante, narro o tocar de meus pés na água de fogo para guiar minha canoa de gengibre entre os afluentes mecânicos que surgiam durante todo o meu dia, sobre esta aventura terrivelmente simbólica e imprudentemente absurda! Pois que se faça o vento, bem-te-vi voador que avoa o maior voo que é capaz de experimentar. No caminho, a mente decide se perder, e tão de repente, o passarim é esquecido pelos raios de água turva que brotavam como anêmonas e traiam as más digestões de todos os sapos cantores e seus compatriotas Severinos Brócolis, filhos de um homem cabra-da-peste, homem de mar pra lá das veredas desse universo preto, encima das cabeças de quem quiser olhar para ele, junto a foz do riacho mais distante no oceano imenso que é a loucura do gafanhoto pregado nas armas dos olhos da pílula cega e morteira. Nas cozinhas do patrão demoli meu coração-de-alho macerado em oliva fresco...
(Berimbau)... Hoje meus sons que dão, e que dizem que não dão, doaram junto ao Dom com seu dedão, e darão muito mais amanhã, boa noite!...
(Semente Negra)... Espontaneidade em jejum! Espere! Lá vem ele! Está escorrendo em minha língua, oh, sim! Um pouquinho de leite, meia colher de chá de açúcar! Ah! Que sensação maravilhosa! Parece que engoli uma pedra, não descarto os cristais de terra agregados. Meu corpo, nesta manhã, o trato como lentes de um endoscópio preciso. Queria cortar esses glóbulos de vômito e dor que estão gemendo dentro de mim... seria melhor um murro na vesícula biliar...
(Gastrite, Úlcera, Afta)... Rápido! Rápido! Preciso sair daqui! É preciso que me levante antes que a hora chegue. Se ele entrar por aquela porta, eu estarei completamente perdido! Não poderei mais, não posso mais... ele é escuro, tão líquido que por meu esôfago escorrem, para minha surpresa, ácidos e cabeças de parafusos transtornados. NÃO POSSO MAIS! TIRE ESSE CAFÉ DAQUI, que loucura que é a inteira fluência daquele pó amargo e encantador, irmão da fumaça, filho da razão e estimulante corporal sem comparações com qualquer espécie de erva que se toma quente...MAS CHEGA! NÃO POSSO VER ELE ENTRAR! Aquele rapaz breve e com sorriso ameno, como se não nutrisse nenhuma mal intenção, todas os dias, nesse mesmo tempo, se aproxima no auge de minha fome, quando nada há em meu estômago além de poucos resíduos e fluidos metafísicos, dos quais o sabor, de fato, não aprecio. Então, se eu tomo, é como se uma flor marrom nascesse no interior de um deserto africano e uma enorme bola de fogo tragasse meu interior pelo avesso. Ó meu deus, lá vem ele, eu posso ouvir os passos de rapaz, eu posso ouvir as xícaras estalando na bandeja, posso sentir o cheiro do leite em pó e a secura do açúcar cristal. E lá dentro, lá no interior daquele bule lindo, com iniciais da nação gravadas como úlceras, o mergulho para o inferno se desloca como marés selvagens que chocam suas ondas vespertinas sobre rochedos. Preciso fugir agora! Estou indo! Lá vem ele! Não!...
(Don Giovanni e Frank Zappa) ... Tem início a orquestra. O clarinete assumiu como o flagelo principal de uma estrofe encantadora. E a tuba... A TUBA, berrou até o último expectador sentado no alto de uma montanha polar que parasse de pensar, sentir, ao mesmo tempo sentindo os ramos dos quadros pintados por todas as mãos que conduzem os violinos incessantes, como escarros, como pedras fluindo no vagar da imensidão cristalina de textura exatamente igual aos tímpanos, que perfuram o cérebro do maestro flácido, e de gênero semelhante ao acordeon que surpreendeu a todos os compositores clássicos que adormecem hoje na ponta mais aguda do espinho da roseira mais fria, tão fria que os dedos dos músicos começaram a dançar numa frenética espontaneidade de movimentos, distantes e sozinhos em suas respectivas covas, uma na Espanha, outra nas ilhas pacíficas do continente Norte, outras no vácuo do caminho entre a teia negra e o impalpável espírito de cada músico daquela orquestra vazia e imensamente completa...
(Echoes)... Sim, pois não! Ora, ora ,ora, não te preocupes, ninguém canta mais às bordas do albatroz angustiado por sua inteira vida, vida tola de brancura que nem mesmo seus bicos dourados poderão fazer calar, num infinito propagado de cores e home sick blues de mortes negras às margens do rio mississipi down to new orleans, onde foram criados mudos, os dedos de Hank Willians ou as cordas de tripa vocais de Robert Johnson que escapam numa sombra internada sobre imensos olhares de peixe morto, dentro de um caixão podre e mal acabado. Tanto melhor se o sopro de minha mente puder fluir dessa forma para que o céu azul torne-se um pretexto para minh'alma se apossar do fel e da carne do Lobo, enxergando melhor o albatroz e o cordeiro do pastor, que se chama "meus pés"!...
(For The Love of God)... e mal dissimulado! BEM DISSIMULADO! Um "bend" simulado, nas mãos de um jazz man...
(Amazônia Entorpecida)... Primeiro, PARA! Eu quero descer. Deste momento em diante, narro o tocar de meus pés na água de fogo para guiar minha canoa de gengibre entre os afluentes mecânicos que surgiam durante todo o meu dia, sobre esta aventura terrivelmente simbólica e imprudentemente absurda! Pois que se faça o vento, bem-te-vi voador que avoa o maior voo que é capaz de experimentar. No caminho, a mente decide se perder, e tão de repente, o passarim é esquecido pelos raios de água turva que brotavam como anêmonas e traiam as más digestões de todos os sapos cantores e seus compatriotas Severinos Brócolis, filhos de um homem cabra-da-peste, homem de mar pra lá das veredas desse universo preto, encima das cabeças de quem quiser olhar para ele, junto a foz do riacho mais distante no oceano imenso que é a loucura do gafanhoto pregado nas armas dos olhos da pílula cega e morteira. Nas cozinhas do patrão demoli meu coração-de-alho macerado em oliva fresco...
(Berimbau)... Hoje meus sons que dão, e que dizem que não dão, doaram junto ao Dom com seu dedão, e darão muito mais amanhã, boa noite!...
(Semente Negra)... Espontaneidade em jejum! Espere! Lá vem ele! Está escorrendo em minha língua, oh, sim! Um pouquinho de leite, meia colher de chá de açúcar! Ah! Que sensação maravilhosa! Parece que engoli uma pedra, não descarto os cristais de terra agregados. Meu corpo, nesta manhã, o trato como lentes de um endoscópio preciso. Queria cortar esses glóbulos de vômito e dor que estão gemendo dentro de mim... seria melhor um murro na vesícula biliar...
(Gastrite, Úlcera, Afta)... Rápido! Rápido! Preciso sair daqui! É preciso que me levante antes que a hora chegue. Se ele entrar por aquela porta, eu estarei completamente perdido! Não poderei mais, não posso mais... ele é escuro, tão líquido que por meu esôfago escorrem, para minha surpresa, ácidos e cabeças de parafusos transtornados. NÃO POSSO MAIS! TIRE ESSE CAFÉ DAQUI, que loucura que é a inteira fluência daquele pó amargo e encantador, irmão da fumaça, filho da razão e estimulante corporal sem comparações com qualquer espécie de erva que se toma quente...MAS CHEGA! NÃO POSSO VER ELE ENTRAR! Aquele rapaz breve e com sorriso ameno, como se não nutrisse nenhuma mal intenção, todas os dias, nesse mesmo tempo, se aproxima no auge de minha fome, quando nada há em meu estômago além de poucos resíduos e fluidos metafísicos, dos quais o sabor, de fato, não aprecio. Então, se eu tomo, é como se uma flor marrom nascesse no interior de um deserto africano e uma enorme bola de fogo tragasse meu interior pelo avesso. Ó meu deus, lá vem ele, eu posso ouvir os passos de rapaz, eu posso ouvir as xícaras estalando na bandeja, posso sentir o cheiro do leite em pó e a secura do açúcar cristal. E lá dentro, lá no interior daquele bule lindo, com iniciais da nação gravadas como úlceras, o mergulho para o inferno se desloca como marés selvagens que chocam suas ondas vespertinas sobre rochedos. Preciso fugir agora! Estou indo! Lá vem ele! Não!...
Uma noite qualquer você acorda no meio do silêncio, enquanto todos os desconhecidos que vivem próximo dormem profundamente, e um aroma de uísque ao som das cordas do violão de Bob Dylan te convidam para uma pesca num enorme lago de imagens recortadas. Ao olhar para as imagens eu tiro minhas conclusões sobre as infinitas situações que posso simular com as montagens livres. Nesse segundo, vem uma voz que sussura, Teu peito largo não pode carregar o peso de outro peito, de uma forma ou de outra, no final das contas, um homem velho vem aí. Deveria isso ser uma preocupação de idade? Teus lençois tem a aparência de um rosto em chamas, e o sol nada na praia de teus ouvidos, debruçados na janela. Deveria eu classificá-la por idade? Que outra idade conquistaria o tempo desta forma? Em que tempo saberemos como funcionam as palavras que proferimos e que são como nuvens que nos ventos balbuciam um som triste? Um coro de anjos mortos que simpatizam com a nossa frágil vigília. Desejaria eu que você decida-se pela culpa de cada um em crer não ter culpa? Eu posso te levar para as terras da percurssão de um coração há muito parado no ritmo da dança. Teus parceiros, por sua vez, receberão o prêmio em ouro. Pois eu posso ajudar a todos eles por um bom punhado de ouro, e por um bom vinho para beber. Você crê que é isso que destroi você? O sentimento cresce silencioso. Talvez o caminho certo esteja na cinemateca holandesa da esquina. Se um dia quiser dar-me teu blues, me será fantasiosa a sensação de não precisar usar sapatos, ou alimentar-me. Tome todo o meu direito, dê-me todo o teu amor. Você é uma vaca, quero todo o teu leite. Não faço parte da tua festa, mas eu vou até o lado de fora e você vem por alguns minutos, o que acha? Por que eu deveria alimentar a lenha da fornalha que deve ser esse lugar aí que você vive? Poderia seu corpo ouvir-me brilhoso. Já percebeu como todas as canções de amor são ridículas? A linha para costurar estes continentes-copos-de-bebida são pintados nesse quadro como beijos, que voltam ao negro e dizem "Eu disse a verdade, porque você não diz?" Blues. Daria uma grande canção.
segunda-feira, 4 de janeiro de 2010
Eu me apaixonei. Diferente de qualquer outra paixão ingênua que já tive, dessa vez o caso é mais grave. Eu me apaixonei pela tua dor, não que isso me impeça de enxergar tuas qualidades, mas a tua melancolia foi o que mais me surpreendeu. Ela é tão parecida com a minha própria, não em espécie, mas em potencial, que iluminou teu rosto aos meus olhos mergulhados na solidão. Não sei se é certo, ou incerto, mas um início como este me pareceu uma extravagância que eu necessitava me permitir. Como eu já esperava anteriormente, agora sofro. O sofrimento veio e me atacou como um predador. O motivo é simples, quanto maior a felicidade prometida, maior o sofrimento garantido. Tive a ilusão sedutora de duas sombras que se encontram à luz do dia na tentativa de se iluminarem, mas, irremediavelmente, elas sabem que são somente sombras. No princípio, eu cri que a solução para o meu problema estava não diretamente no teu amor, mas no teu medo. Eu quis profundamente compartilhá-lo, talvez para provar de vez para mim mesmo que não há um sentido para sua existência, senão a busca da paz. Medo, paz. Esse medo supremo que por breves instantes foi compartilhado com coragem, como por feitiçaria, fez as tuas formas, cheiros e humores me convidarem para adentrar num novo cômodo do tempo. O que abriu esta porta para mim, com muita cortesia, foi a tua própria solidão escancarada, teu avesso deslocado do mundo... idêntico ao meu, amargo e trágico, por isso encantador. Assim, quando te vejo alegre não te reconheço. Você permanece bela como uma pérola nunca encontrada, porém não é a mesma, nunca te conheci feliz. Não sei se fui eu que nunca permiti que a parte alegre da sua alma me seduzisse, ou se foi você quem o fez. Uma vez que fui bloqueado ao teu corpo, como um livro incompreensível que é escondido do campo de visão, não posso hoje ir mais além do que um breve aceno, ou um olhar perdido. Sinto falta do teu amor, que me cura de tudo e faz esquecer a dor, problema sem solução. Volto então para a minha paz solitária, sem sossego.
domingo, 3 de janeiro de 2010
Vinha um homem pela estrada. Na direção contrária, vinha uma bela moça. Houve então um encontro que fez abrir um corte no céu azul daquela tarde. Os minutos e segundos perduraram nobres nos olhos da moça, e o homem assobiou uma canção com uma quietude que fez os bichos e templos retirarem suas vozes do mundo. Após, não existia mais mundo, mas apenas um trovão que iluminava um muro de aço, protegido por pontos vazios de razão, habituados à fortuna do silêncio. Não apenas para louvar o pôr-do-sol, mas o rapaz quis impressionar a jovem moça que, fascinada com aquele som de sacrifício, tão sincero, nunca antes ouvido por ela, quis morrer e renascer nos braços dele. No beijo dos jovens, uma enorme onda do mar invadiu as ruas e planícies. Os peixes começaram a saltar para as montanhas, num grande suicídio coletivo. Logo a quantidade de peixes obstruiu a passagem das pessoas que lamentavam por suas vidas em frágeis embarcações. As montanhas ficaram isoladas do resto do mundo, o condenado resto do mundo que curtia o inferno de sua destruição. Os poucos habitantes das ilhas formadas por montanhas fortificadas de peixes mortos logo abandonaram-se a podridão do odor que as milhões de carcaças produziam, e que se espalhava por todo o corpo como um veneno altamente letal. Somente o homem e a moça, que por ironia do destino haviam se encontrado e se apaixonado justo no dia do juízo final, sobreviveram. Eles se lançaram juntos numa fuga por dentro da terra, a qual eu mesmo não posso explicar com palavras os detalhes e a maneira como haviam escapado com vida. Posso, por hora, dizer que um coral de criaturas marinhas cantarolavam e dançavam nas profundezas do oceano enquanto o casal disparava, como tiro de canhão, rumo ao centro da terra. A sua história tornou-se mito universo à fora, e a veracidade destes acontecimentos permanecem pairando ao redor do momento daquele primeiro encontro.
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